15.6.09

havia de ser, mesmo se não fosse

mabel não aguentava pegar ônibus. entrar pela porta da frente e caminhar por todo o corredor para pagar ao cobrador parecia-lhe detestável. depois voltava pra alguma cadeira lá na frente e se acomodava no assento da janela, evitando o risco das pessoas esbarrarem em sua gravidez ou evitando sentir pena de algum estudante bambando de tanto peso nas mãos e ter que apoiar livros e mais livros em sua barriga desconfortável por si só. era uma tortura diária, mas não havia nada a fazer. a vida não foi lá muito generosa. logo cedo perdeu os pais e teve que enfrentar o mundo sozinha, correr atrás das coisas e aprender a se defender das cafajestagens masculinas. se arrependera de não ter dado mais atenção a essa última lição, o que lhe rendeu uma gravidez de um super cafajeste que sumiu pra nunca mais. e lá estava ela, tendo que segurar toda a barra sozinha, subindo e descendo de ônibus, experimentando os inúmeros degraus da vida. para não morrer de desgosto, ia a um café próximo a sua casa nos fins de tarde, ler e pensar em alguma coisa que lhe servisse de refúgio. e foi no meio de um desses pensamentos que marcelo apareceu em sua vida. entrou no velho e conhecido café e deixou algo cair no chão, chamando a atenção de mabel. nunca o tinha visto. todas as tardes ali, por mais legais que fossem, nunca lhe rendera nenhum atrativo a mais. um homem magro, de cachos e camisa do arctic monkeys. pedindo chocolate quente com um livro em mãos que lhe parecia interessante só pelo título: leia-me. com uma energia boa que, por magnetismo ou sei lá o que, lhe tomou o corpo. sentiu-se viva como há muito não sentia. todos aqueles anos de desilusões amorosas lhe renderam muitas fantasias do homem perfeito e hoje, uma tarde como qualquer outra no café de sempre, o homem da sua vida parecia estar ali, bem na sua frente, daquele jeito e sem porquê. pensou que podia ser mais uma de suas fantasias lhe tomando a mente. mas não, marcelo existia. não era fruto da sua imaginação. era real, e mais que isso: marcelo foi capaz de livrar mabel de todo o mal que acarretava em sua vida com um simples olhar. e foi capaz de reparar, com admiração, em sua barriga enquanto ela se levantava, aquela mesma barriga que lhe parecia um infortúnio. ele sabia enxergar beleza até onde, para ela, só havia tristeza. marcelo. que poderia ter entrado em qualquer café. mas que estava ali, na sua frente. e ela, desacreditada do mundo, das pessoas e do amor, agora não queria mais nada além dele. marcelo.

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